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A escolha entre colunas C18 e C8 é uma das decisões mais fundamentais no desenvolvimento de métodos em cromatografia de fase reversa, representando aproximadamente 85% de todas as separações em HPLC. Embora muitos analistas optem automaticamente por C18 devido à sua popularidade, esta escolha nem sempre resulta na separação ótima. A seleção inadequada da fase estacionária pode levar a problemas de resolução, tempos de análise desnecessariamente longos ou, inversamente, falta de retenção adequada para análises quantitativas precisas.
Na Atual Labs, observamos frequentemente como a escolha criteriosa entre C18 e C8, baseada nas características específicas dos analitos, pode transformar uma separação problemática em um método robusto e eficiente. A compreensão das diferenças fundamentais entre essas fases estacionárias e sua aplicação estratégica representa um conhecimento essencial para o desenvolvimento racional de métodos cromatográficos.
Este artigo apresenta critérios técnicos objetivos para a seleção entre colunas C18 e C8, baseados nas propriedades físico-químicas dos analitos e nos requisitos analíticos específicos.
1. Diferenças fundamentais entre C18 e C8
1.1 Características estruturais:
C18 (Octadecilsilano - ODS):
Cadeia alquílica: 18 carbonos
Densidade de ligação: 2,5-4,0 μmol/m²
Cobertura superficial: 12-17% carbono
Hidrofobicidade: Máxima para fases convencionais
Seletividade: Baseada principalmente em interações hidrofóbicas
C8 (Octilsilano):
Cadeia alquílica: 8 carbonos
Densidade de ligação: 3,0-5,0 μmol/m²
Cobertura superficial: 8-12% carbono
Hidrofobicidade: Intermediária
Seletividade: Interações hidrofóbicas reduzidas, maior contribuição de outros mecanismos
1.2 Implicações práticas das diferenças:
Retenção relativa (C18 = referência):
Compostos apolares: C8 retém ~60-70% em relação ao C18
Compostos polares: C8 retém ~40-60% em relação ao C18
Compostos ionizáveis: Diferença variável conforme pH
Seletividade diferencial:
C18: Discriminação máxima por hidrofobicidade
C8: Maior contribuição de interações polares residuais
Resultado: Ordens de eluição podem ser diferentes
2. Propriedades dos analitos que orientam a escolha
2.1 Log P (Coeficiente de partição):
Faixa de Log P
<0 Hidrofílico: C8 preferível e evita eluição no volume morto
0-2 Moderadamente polar: C8 ou C18 Ambas funcionam, C8 sendo mais rápido
2-4 Moderadamente apolar: C18 preferível para uma retenção adequada
>4 Altamente lipofílico: C18 necessário e C8 insuficiente para retenção
2.2 Massa molecular:
Moléculas pequenas (< 300 Da):
C8 vantajoso: Reduz retenção excessiva
Difusão: Melhor transferência de massa
Eficiência: Pratos teóricos superiores
Moléculas médias (300-1000 Da):
Flexibilidade: Ambas as fases aplicáveis
Otimização: Baseada em outros fatores (polaridade, grupos funcionais)
Moléculas grandes (> 1000 Da):
C8 preferível: Reduz interações não específicas
Recuperação: Menor adsorção irreversível
Forma de pico: Melhor simetria
2.3 Grupos funcionais específicos:
Compostos aromáticos:
C18: Interações π-π mais pronunciadas
C8: Interações reduzidas, separação baseada em hidrofobicidade
Aplicação: C8 para aromáticos substituídos complexos
Compostos com grupos polares múltiplos:
Álcoois, aminas, ácidos: C8 preferível
Razão: Evita retenção excessiva por interações secundárias
Resultado: Picos mais simétricos, melhor reprodutibilidade
Compostos ionizáveis:
Dependência do pH: Maior em C18
C8: Menor sensibilidade a variações de pH
Robustez: C8 oferece métodos mais robustos
3. Aplicações específicas por setor
3.1 Indústria farmacêutica:
Fármacos hidrofílicos (antibióticos β-lactâmicos):
Escolha: C8 obrigatória
Razão: Retenção mínima em C18, coeluição com volume morto
Exemplo: Penicilina G, ampicilina
Fármacos lipofílicos (esteroides):
Escolha: C18 necessária
Razão: C8 resulta em tempos muito curtos, perda de resolução
Exemplo: Testosterona, cortisol
Impurezas farmacêuticas:
Estratégia: C8 para impurezas mais polares que o fármaco
Vantagem: Separação do pico principal sem retenção excessiva
3.2 Análises de alimentos e nutrição:
Vitaminas hidrossolúveis (B1, B2, B6):
Escolha: C8 preferível
Fase móvel: Menor proporção orgânica necessária
Compatibilidade: Melhor com matrizes aquosas
Vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K):
Escolha: C18 essencial
Retenção: Adequada para separação de isômeros
Estabilidade: Melhor para compostos termolábeis
Aminoácidos e peptídeos:
C8: Para aminoácidos derivatizados
C18: Para peptídeos maiores (> 5 resíduos)
3.3 Análises ambientais:
Pesticidas polares:
Organofosforados: C8 adequada
Carbamatos: C8 preferível
Vantagem: Menor tempo de análise, maior produtividade
Pesticidas apolares:
Organoclorados: C18 necessária
Piretróides: C18 obrigatória
Separação: Resolução de isômeros crítica
4. Considerações de desenvolvimento de método
4.1 Estratégia de screening inicial:
Protocolo recomendado:
Análise exploratória: Gradiente 5-95% ACN em ambas as colunas
Comparação de k': Fator de retenção do analito crítico
Avaliação de resolução: Pares críticos identificados
Seleção baseada em critérios: Resolução > 1,5, k' entre 1-10
4.2 Otimização da fase móvel:
Para C8 (retenção reduzida):
Maior proporção aquosa: Compensa menor hidrofobicidade
Modificadores polares: Ácidos/bases para ajuste fino
Temperatura: Menor sensibilidade a variações
Para C18 (retenção elevada):
Maior proporção orgânica: Necessária para eluição razoável
Gradientes: Mais comuns devido à faixa ampla de retenção
Força iônica: Maior impacto na retenção
4.3 Transferência entre colunas:
C18 → C8:
Redução orgânico: ~15-25% na proporção
Verificação de resolução: Pares críticos podem coeluar
Revalidação necessária: Parâmetros analíticos completos
C8 → C18:
Aumento orgânico: ~20-30% na proporção
Tempo de análise: Frequentemente aumenta
Robustez: Geralmente melhora
5. Fatores operacionais práticos
5.1 Estabilidade da fase estacionária:
C18:
pH operacional: 2,0-8,0 (silica convencional)
Temperatura máxima: 60°C (uso rotineiro)
Vida útil: 500-2000 injeções (dependente da matriz)
C8:
pH operacional: 2,0-8,5 (ligeiramente mais estável)
Temperatura máxima: 65°C
Vida útil: Comparável ao C18, menor adsorção irreversível
5.2 Compatibilidade com detectores:
UV-DAD:
C8: Menor background em comprimentos baixos
C18: Sangramento mínimo em colunas de qualidade
LC-MS:
C8: Menor tendência a formar adutos
C18: Maior variação entre fabricantes para compatibilidade MS
Fluorescência:
Ambas adequadas: Diferenças mínimas
Cuidado: Impurezas fluorescentes em colunas de baixa qualidade
6. Troubleshooting específico por tipo de coluna
6.1 Problemas comuns com C18:
Retenção excessiva:
Sintoma: k' > 20, picos largos
Solução: Aumento da proporção orgânica ou mudança para C8
Prevenção: Screening inicial com ambas as fases
Interações secundárias:
Sintoma: Tailing persistente, especialmente com bases
Causa: Silanóis residuais mais ativos devido à alta cobertura
Solução: Aditivos (trietilamina), pH elevado, ou mudança para C8
6.2 Problemas comuns com C8:
Retenção insuficiente:
Sintoma: k' < 1, coeluição com volume morto
Solução: Redução da proporção orgânica ou mudança para C18
Limite: Não aplicar água pura (colapso da fase)
Perda de resolução:
Sintoma: Separação inadequada de compostos similares
Causa: Menor discriminação por hidrofobicidade
Solução: Otimização de seletividade (pH, temperatura) ou C18
7. Critérios econômicos e operacionais
7.1 Custo-benefício:
Preço: C8 e C18 equivalentes para a maioria dos fabricantes
Produtividade: C8 frequentemente permite análises mais rápidas
Consumo de solvente: C8 usa menos solvente orgânico
7.2 Disponibilidade e padronização:
C18: Maior variedade de fornecedores e especificações
C8: Menor padronização entre fabricantes
Recomendação: Qualificação de fornecedores múltiplos
8. Tendências e inovações
8.1 Fases estacionárias híbridas:
Core-shell C18: Combina eficiência superior com retenção C18
Core-shell C8: Análises ultrarrápidas mantendo resolução
Aplicabilidade: Substituição direta com benefícios de performance
8.2 Fases modificadas:
C18 com grupos polares embebidos: Comportamento intermediário C18/C8
C8 com endcapping otimizado: Redução de interações secundárias
Tendência: Personalização para aplicações específicas
Conclusão
A escolha entre colunas C18 e C8 não deve ser baseada em preferência pessoal ou disponibilidade, mas em critérios técnicos objetivos relacionados às propriedades dos analitos e aos requisitos analíticos específicos. A compreensão das diferenças fundamentais entre essas fases estacionárias, combinada com a análise sistemática das características dos compostos de interesse, permite seleções mais assertivas e desenvolvimento de métodos mais eficientes.
Em nossa experiência na Atual Labs, observamos que analistas que dominam esses critérios de seleção conseguem desenvolver métodos mais rapidamente, com maior robustez e melhor adequação às necessidades analíticas específicas. A seleção adequada da fase estacionária representa o primeiro e mais importante passo para uma separação cromatográfica bem-sucedida.
Para laboratórios que buscam otimizar seus processos de desenvolvimento de métodos, o investimento em compreender as nuances entre C18 e C8 resulta em economia de tempo, recursos e, mais importante, em métodos analíticos superiores que atendem consistentemente aos requisitos de qualidade e produtividade.
Referências Bibliográficas
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Dolan, J. W. (2015). "Column selection in reversed-phase liquid chromatography". LC-GC North America, 33(9), 690-695.
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Sandra, P., & Tienpont, B. (2020). "Stationary phase selection in reversed-phase liquid chromatography". Analytical Chemistry, 92(1), 142-150.
Fekete, S., & Guillarme, D. (2013). "Stationary phase selectivity in reversed-phase liquid chromatography: A review". TrAC Trends in Analytical Chemistry, 46, 88-105.
Edwin Bueno é engenheiro químico com mais de 13 anos de experiência em laboratórios analíticos e ênfase em técnicas cromatograficas, atuando em centenas de projetos de alta complexidade voltados ao controle de qualidade, desenvolvimento de métodos e conformidade regulatória. É fundador e diretor técnico do laboratório analítico Atual Labs, reconhecido por sua atuação ágil nos setores de nutrição e saúde animal.
Além de sua atuação técnica, Edwin é consultor de laboratórios e indústrias, contribuindo na resolução de problemas analíticos, otimização de processos, estruturação de equipes técnicas, expansão laboratorial e gestão, implementação de boas práticas que asseguram qualidade, agilidade e robustez nos resultados.





