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A escolha do grau de pureza dos solventes utilizados como eluentes em cromatografia líquida é uma decisão técnica que impacta diretamente a qualidade dos resultados analíticos, a vida útil dos equipamentos e, naturalmente, os custos operacionais. Embora a tentação de utilizar sempre o solvente de menor custo seja compreensível, esta escolha pode resultar em problemas analíticos custosos e comprometer a confiabilidade dos dados gerados. Por outro lado, o uso desnecessário de solventes de alta pureza representa desperdício de recursos em muitas aplicações rotineiras.
Este artigo apresenta uma análise técnica detalhada dos diferentes graus de pureza de eluentes, fornecendo critérios objetivos para seleção adequada e estratégias para otimizar a relação custo-benefício sem comprometer a qualidade analítica.
1. Classificação e especificações dos graus de pureza
1.1 P.A. (Para Análise) - Reagent Grade:
Pureza típica: 99,0-99,5%
Contaminantes principais: Água (0,1-0,5%), compostos orgânicos diversos
Absorbância UV: Não especificada rigorosamente
Metais: Tipicamente 1-10 ppm (Fe, Cu, Pb)
Partículas: Não filtrados, presença de material particulado
1.2 HPLC Grade - Gradient Grade:
Pureza típica: 99,8-99,9%
Especificação UV: Absorbância <0,01 AU a 254 nm, <0,05 AU a 210 nm
Água: <0,02% para solventes orgânicos
Metais: <0,1 ppm para a maioria
Filtração: Pré-filtrados através de 0,2 μm
Estabilizantes: Livre de antioxidantes que possam interferir
1.3 LC-MS Grade - MS Grade:
Pureza: >99,95%
Especificação rigorosa: Testado especificamente para LC-MS
Íons interferentes: Especificação para Na⁺, K⁺, NH₄⁺ (<0,1 ppm)
Compostos voláteis: Minimizados para evitar contaminação do MS
Endotoxinas: Frequentemente especificadas (<0,1 EU/mL)
Gradiente reverso: Testado para aplicações de gradiente extremo
2. Impacto dos contaminantes na performance cromatográfica
2.1 Contaminantes em solventes P.A.:
Água residual:
Acetonitrila P.A.: 0,1-0,5% vs. HPLC grade <0,02%
Impacto: Alteração da seletividade, mudança na retenção
Problema específico: Fases estacionárias hidrofóbicas podem ser desativadas
Compostos UV-absorventes:
Origem: Processos de síntese, degradação durante armazenamento
Consequência: Ruído elevado, deriva de linha de base
Detecção crítica: Especialmente problemático abaixo de 220 nm
Partículas suspensas:
Tamanho típico: 1-50 μm em solventes não filtrados
Problemas: Entupimento de frits, aumento de contrapressão
Vida útil: Redução significativa da vida útil das colunas
2.2 Problemas específicos em LC-MS:
Supressão iônica:
Contaminantes críticos: Sais de amônio, acetatos, formiatos residuais
Efeito: Redução da sensibilidade, variação de resposta
Quantificação: Erros sistemáticos em análises quantitativas
Contaminação do espectrômetro:
Compostos não voláteis: Acúmulo na fonte de ionização
Manutenção: Aumento da frequência de limpeza
Custos: Redução da vida útil de componentes caros
3. Critérios de seleção por aplicação
3.1 Análises rotineiras, quando P.A. é suficiente:
Analitos em alta concentração: >10 ppm
Detecção UV: Comprimentos de onda >250 nm
Métodos validados: Com especificações flexíveis de sistema adequado
Análises qualitativas: Onde precisão quantitativa não é crítica
Cuidados obrigatórios com P.A.:
Filtração prévia: Sempre através de 0,45 μm, preferencialmente 0,22 μm
Desgaseificação rigorosa: Tempo mínimo de 15 minutos
Teste de branco: Injeção de solvente puro antes das análises
Monitoramento de deriva: Atenção especial à estabilidade da linha de base
3.2 Análises quantitativas precisas, quando HPLC Grade recomendado:
Análises farmacêuticas: Teor, uniformidade, impurezas
Controle de qualidade: CVs requeridos <2%
Detecção UV baixo: Trabalho abaixo de 230 nm
Gradientes extensos: Variação de 5-95% de orgânico
Métodos farmacopeicos: Especificações rigorosas de sistema adequado
3.3 LC-MS e análises traço, quando LC-MS Grade essencial:
Limites de quantificação: <1 ppm
Espectrometria de massas: Qualquer aplicação LC-MS
Análises de resíduos: Pesticidas, medicamentos veterinários
Bioanalítica: Fluidos biológicos, matrizes complexas
Validação regulatória: Submissões para agências sanitárias
4. Análise custo-benefício
4.1 Diferenças de custo típicas (base: P.A. = 1x):
P.A.: 1,0x (referência)
HPLC Grade: 2,5-3,5x
LC-MS Grade: 4,0-6,0x
4.2 Cálculo do custo real por análise:
Exemplo prático - Análise de um composto genérico por HPLC-UV:
Consumo por análise: 50 mL de fase móvel
Acetonitrila P.A.: R$ 1,50 por análise
Acetonitrila HPLC: R$ 3,75 por análise
Diferença: R$ 2,25 por análise
Considerações do custo total:
Retrabalho por problemas: 5-15% das análises com P.A. inadequado e problemas com gradiente
Vida útil das colunas: Redução de 30-50% com solventes inadequados
Tempo de analista: Troubleshooting de problemas de solvente
Confiabilidade dos dados: Valor intangível mas crítico
5. Estratégias de otimização
5.1 Uso misto inteligente:
Componente aquoso: Sempre água ultrapura (>18 MΩ·cm)
Solvente orgânico principal: HPLC Grade para fase móvel
Extração: P.A. para transferir o analito
Lavagem de sistema: P.A. filtrado para limpeza
Armazenamento de colunas: P.A. adequado para a maioria dos casos
5.2 Purificação quando viável:
Destilação simples: Para aplicações menos críticas
Filtração em série: 0,45 μm seguido de 0,22 μm
Tratamento com carvão: Remoção de impurezas orgânicas (0,1% p/v, 2h)
Monitoramento de qualidade: Testes de absorbância UV rotineiros
5.3 Compra inteligente:
Volumes adequados: Evitar degradação durante armazenamento
Fornecedores confiáveis: Certificados de análise detalhados
Condições de armazenamento: Temperatura controlada, proteção contra luz
Controle de estoque: Especialmente para LC-MS grade
6. Problemas comuns e soluções
6.1 Sintomas de solvente inadequado:
Linha de base instável:
Causa provável: Impurezas UV-absorventes
Solução: Upgrade para HPLC grade ou purificação
Teste diagnóstico: Comparação com solvente de alta pureza
Perda de resolução gradual:
Causa provável: Contaminação da coluna
Solução: Lavagem extensiva + solvente de melhor qualidade
Prevenção: Filtração rigorosa, pré-colunas
Variação de retenção:
Causa provável: Variação no conteúdo de água
Solução: Controle rigoroso da composição, solventes HPLC grade
Monitoramento: Análise de padrão de controle diário
6.2 Problemas específicos em LC-MS:
Perda de sensibilidade:
Diagnóstico: Infusão pós-coluna de padrão
Solução: LC-MS grade obrigatório
Manutenção: Limpeza mais frequente da fonte
Íons fantasma:
Origem: Contaminantes no solvente
Identificação: Análise de branco de solvente
Solução: Solvente ultrapuro + filtração final
7. Especificações técnicas detalhadas
7.1 Testes de qualidade recomendados:
Para todos os graus:
Aparência: Límpido, incolor
Densidade: ±0,001 g/mL da especificação
Índice de refração: ±0,0005 da especificação
Ponto de ebulição: ±2°C da especificação
Específicos para HPLC:
Gradiente reverso: Teste de interferência em detecção UV
Fluorescência: Emissão <10% da emissão da água pura
Condutividade: <2 μS/cm para solventes orgânicos puros
Específicos para LC-MS:
Background: Análise por infusão direta
Adutos: Formação de [M+Na]⁺, [M+K]⁺, [M+NH₄]⁺
Fragmentação: Padrões de fragmentação limpos
Conclusão
A seleção adequada do grau de pureza dos eluentes é uma decisão técnica e econômica que requer avaliação cuidadosa das necessidades analíticas específicas. Embora a tentação de economizar custos seja compreensível, o uso de solventes inadequados frequentemente resulta em custos ocultos superiores à economia inicial, incluindo retrabalho, redução da vida útil de equipamentos e, mais criticamente, comprometimento da confiabilidade dos dados analíticos.
A estratégia mais eficiente envolve a seleção criteriosa baseada na aplicação específica, combinada com práticas rigorosas de manuseio e controle de qualidade. Investir em solventes de qualidade adequada não é um custo, mas um investimento na qualidade e confiabilidade dos resultados analíticos.
Para laboratórios que buscam otimizar a relação custo-benefício, a implementação de uma política clara de seleção de solventes, baseada em critérios técnicos objetivos, representa uma estratégia fundamental para manter padrões elevados de qualidade analítica enquanto controla custos operacionais.
Referências Bibliográficas
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Edwin Bueno é engenheiro químico com mais de 13 anos de experiência em laboratórios analíticos e ênfase em técnicas cromatograficas, atuando em centenas de projetos de alta complexidade voltados ao controle de qualidade, desenvolvimento de métodos e conformidade regulatória. É fundador e diretor técnico do laboratório analítico Atual Labs, reconhecido por sua atuação ágil nos setores de nutrição e saúde animal.
Além de sua atuação técnica, Edwin é consultor de laboratórios e indústrias, contribuindo na resolução de problemas analíticos, otimização de processos, estruturação de equipes técnicas, expansão laboratorial e gestão, implementação de boas práticas que asseguram qualidade, agilidade e robustez nos resultados.




