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Em muitos laboratórios, a água é o reagente mais utilizado e, paradoxalmente, o mais subestimado. Seja em análises instrumentais, preparo de soluções ou lavagem de vidrarias, a qualidade da água influencia diretamente nos resultados e na segurança analítica. Este artigo técnico explora os principais tipos de água utilizados em ambientes laboratoriais, seus critérios de classificação, métodos de purificação e, principalmente, suas aplicações práticas.
Por que a Qualidade da Água é Crucial em Laboratório?
Mesmo em concentrações ínfimas, contaminantes presentes na água como íons, compostos orgânicos, partículas, microrganismos e endotoxinas podendo gerar:
Ruído de fundo em análises cromatográficas e contaminação de linhas.
Reagir com reagentes sensíveis, alterando a estequiometria das reações.
Causar obstruções e desgaste em sistemas de injeção e colunas analíticas.
Promover crescimento microbiológico em banhos e reservatórios.
Reduzir a vida útil de reagentes de alto custo.
A escolha do tipo correto de água para cada aplicação é, portanto, uma prática de controle de qualidade fundamental.
Classificação da Água em Laboratórios
A ASTM (American Society for Testing and Materials) e a CLSI (Clinical and Laboratory Standards Institute) são referências comuns para classificação da água em laboratórios. Essa classificação é feita com base em parâmetros como:
Resistividade elétrica (MΩ·cm)
Condutividade (µS/cm)
Conteúdo de carbono orgânico total (TOC)
Presença de endotoxinas e partículas
Carga microbiológica
Tipos de Água e Suas Aplicações
Água Tipo I – Ultrapura
Resistividade: ≥ 18,2 MΩ·cm
TOC: < 10 ppb
Aplicações:
HPLC, LC-MS, ICP-MS, GC-MS.
Preparo de padrões analíticos e reagentes traço.
Biologia molecular (PCR, cultivo celular).
Lavagem final de materiais sensíveis.
Água Tipo II – Alta pureza
Resistividade: ≥ 1 MΩ·cm
TOC: < 50 ppb
Aplicações:
Análises clínicas e bioquímicas
Preparo de tampões e soluções reagentes
Sistemas de alimentação para produção de água tipo I
Uso em autoclaves, banho-maria
Água Tipo III – Uso geral
Resistividade: ~ 0,05 – 0,5 MΩ·cm
Fonte: Normalmente obtida por osmose reversa
Aplicações:
Lavagem de vidrarias
Sistemas de climatização e lavadoras
Alimentação inicial de sistemas de purificação
Banhos e reações químicas não críticas
Água Destilada
Processo: Evaporação e condensação
Aplicações:
Preparação de soluções simples
Lavagem de materiais (não recomendada como única etapa)
Não remove compostos voláteis — uso limitado em análises sensíveis
Água Deionizada
Processo: Troca iônica (remoção de íons dissolvidos)
Aplicações:
Enxágue intermediário de vidrarias
Preparo de soluções e tampões
Pode ser combinada com outros sistemas de purificação
Principais Sistemas de Purificação de Água
a) Osmose Reversa (RO)
Remove até 98% dos sólidos dissolvidos totais (TDS), além de bactérias e partículas
É a base de muitos sistemas para produção de água tipo III
b) Troca Iônica
Utiliza resinas catiônicas e aniônicas para remoção de íons
Essencial na produção de água tipo II e I
c) Filtração com Carvão Ativado
Remove cloro, cloraminas e compostos orgânicos
d) Lâmpadas UV (185/254 nm)
Degrada matéria orgânica e inibe crescimento microbiológico
e) Filtros Submicrométricos (0,2 µm)
Remoção final de partículas e microrganismos antes do ponto de uso
Estratégias de Boas Práticas no Uso da Água
Utilizar a água certa para a aplicação correta. Evite desperdício de água ultrapura em atividades que poderiam ser feitas com água tipo II ou III.
Evitar estocagem prolongada. Água pura pode se recontaminar rapidamente em contato com o ar ou materiais inadequados.
Monitorar continuamente os parâmetros críticos. Resistividade, TOC e presença microbiológica devem ser controlados.
Manutenção periódica do sistema. Cartuchos saturados, biofilmes e falhas nos sensores afetam diretamente a qualidade da água.
Impactos da Água Contaminada nos Equipamentos e Análises
Íons metálicos: Interferência espectral e corrosão.
Compostos Orgânicos: Ruído em UV, Fluorescência ou LC-MS.
Partículas: Obstrução de injetores, Colunas e Filtros.
Microrganismos: Formação de biofilmes, alteração de pH e TOC.
Endotoxinas: Reações imunes em ensaios biológicos.
Considerações Finais
A água não é apenas um solvente: é um reagente ativo e, muitas vezes, o elo mais frágil entre a boa ciência e um resultado inválido. Avaliar, escolher e controlar rigorosamente o tipo de água utilizada em laboratório é uma das bases das boas práticas laboratoriais (BPL).
Seja você um analista, supervisor de laboratório ou pesquisador, compreender os diferentes níveis de pureza da água e suas aplicações práticas pode prevenir falhas analíticas e otimizar custos operacionais.
Referências Bibliográficas
ASTM D1193-06 (2018). Standard Specification for Reagent Water. ASTM International.
ISO 3696:1987. Water for analytical laboratory use — Specification and test methods.
CLSI C3-A4. Preparation and Testing of Reagent Water in the Clinical Laboratory; Approved Guideline — Fourth Edition.
Sartorius AG. (2020). Lab Water Guide.
MilliporeSigma. (2021). Laboratory Water Purification Guide.
Thermo Fisher Scientific. (2022). How to Select the Right Laboratory Water Purification System.
Edwin Bueno é engenheiro químico com mais de 13 anos de experiência em laboratórios analíticos e ênfase em técnicas cromatograficas, atuando em centenas de projetos de alta complexidade voltados ao controle de qualidade, desenvolvimento de métodos e conformidade regulatória. É fundador e diretor técnico do laboratório analítico Atual Labs, reconhecido por sua atuação ágil nos setores de nutrição e saúde animal.
Além de sua atuação técnica, Edwin é consultor de laboratórios e indústrias, contribuindo na resolução de problemas analíticos, otimização de processos, estruturação de equipes técnicas, expansão laboratorial e gestão, implementação de boas práticas que asseguram qualidade, agilidade e robustez nos resultados.





